Destaques
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Titulo III: Death Note e as metáforas para a Morte e a Justiça
No micro universo de Death Note, o estudante e mais tarde, agente
da Força-Tarefa Japonesa, Light Yagami, é o principal portador do caderno, cujo
poder sentencia à morte todos aqueles que tiverem seus nomes revelados e
intencionados sob caligrafia em suas páginas. Nomeado pelo pseudônimo de Kira,
uma transliteração do inglês killer, o assassino vai estabelecendo a medida de
seus passos, uma onda de violência que acaba por ganhar contornos de um império
de terror, onde, segundo a visão ideológica de seu autor, justifica o meio para
a criação de um mundo bom, justo o suficiente para punir o que ele considera o
mal na sociedade.
Numa posição aparentemente antagônica às ambições do
protagonista, surge um investigador conhecido em todo mundo, mas que
ironicamente nunca revelou a sua identidade. É o contraposto perfeito para alimentar
um impasse de deduções lógicas no enredo, o que mantém o espectador a espera de
que se revele o mais habilidoso entre os dois jogadores. Afinal, tudo não passa
mesmo de um jogo, a trama vai deixando isso claro.
A dinâmica das mortes a princípio é um quebra-cabeças
indecifrável, mas os vestígios dos crimes ainda podem ser rastreados e se
estabelece então uma teia de evidências e suposições que além de possibilitar a
reconstrução da personalidade do assassino, seus possíveis motivos e suas
próximas vítimas, rapidamente fecham um cerco em torno de um certo número de
suspeitos em potencial. Interpretando minunciosamente todas essas peças, é
assim que L chega até Light.
Há, no entanto, uma variante. O esquema utilizado pelo
assassino parece ser o mesmo, mas a personalidade e seu motivo parecem mudar, o
que faz com que L considere haver mais de um Kira, consequentemente deduz que
seu “poder” pode ser transferido. Kira, então, assume de vez o papel de um
símbolo dentro da realidade, ultrapassando a simples figura de um homem – embora
seja crucial encontrar aquele que começou tudo aquilo. O objetivo agora é descobrir
o método utilizado. Se por um lado, Light Yagami persiste em revelar a
identidade oculta de L a fim de vencê-lo, L procura desvendar o mecanismo
utilizado na realização dos assassinatos em massa.
Todo o contexto da história se volta para um macro universo
que é imperceptível aos olhos dos espectadores menos atentos. O verdadeiro nome
de L está tão secreto quanto o poder do Death Note, estas são as forças que em
verdade se completam enquanto tentam se entender. Uma grande prova de que são
essas personalidades nada antagônicas que realmente protagonizam a série é a
fala de L ao confessar que Light seria o único capaz de substituí-lo, o que
realmente se dá alguns episódios a frente. Um pouco de suposição imaginaria até
que a letra L corresponderia à inicial do nome de Light traçando assim uma
sobreposição com os dois. Mas como o pequeno universo da trama é fundamental
para que todo o espetáculo dos símbolos seja capturado pelo sentido da
compreensão, é legítimo outorgar à Light Yagami, mais do que a qualquer outro
que tenha portado e utilizado o caderno, o título de Kira, sendo ele, de fato,
o rosto a sustentar o propósito que movimenta todos os acontecimentos, ou seja,
ele é, em primeira e última instância o criminoso a ser capturado e punido.
Tendo em conta essas duas realidades que se prosseguem uma à
outra como é visto no último episódio e como explicarei depois, é possível
conjecturar que, a finalidade dos atos cumprida pelos dois personagens, L e
Light que é o desejo de Justiça, nada mais parece ser que não uma
característica ou até mesmo uma faculdade da Morte, sendo a morte também uma
característica e uma faculdade da Justiça. Como isso é percebível? Em poucos
momentos a trama se desvia para um sentido ainda mais metafísico que a própria
existência do caderno, ali quando Light supõe vaidosamente que algum deus deve
estar realmente ajudando-o, isso parece sugerir que os assassinatos que são
cometidos supostamente com a ajuda dessa “sorte divina” são providencias
independentes da vontade do portador do Death Note. Não há explicações para
isso nos capítulos, não dentro da pequena realidade da história, mas os
símbolos Morte e Justiça insinuam uma explicação no desfecho de todo o enredo.
Como uma metáfora sobre ninguém vencer a Morte e ser ela um
agente justo no mundo, assim também o próprio Light teve o seu nome escrito no
caderno pelo Shinigami Ryuk, e ainda que não tivesse sido assim, o próprio
Shinigami revelou no começo e, também no final, que todo humano tem um tempo de
vida que ele não seria capaz de acrescentar se não fosse ele mesmo punido pela
morte por quebrar suas regras. Enfim, alguém inevitavelmente morre, mais cedo
ou mais tarde. O que seria a Morte então ali? O Death Note como o próprio nome
explica dentro daquele contexto é um caderno da morte e não a morte
propriamente, uma vez que ela só é quando as vítimas estão deixando de ser, a
Morte seria, então, essa força às escuras que manipula as circunstâncias
independente dos desejos de quem quer que possua uma fração de seu poder.
Se a intenção ou a desculpa de L e a de seus sucessores é a
Justiça, o mesmo se dá para com o Light, ambos se posicionam como oponentes,
mas trabalham dentro de uma mesma causa. Se a morte é para Light um meio de
alcançar a sua visão de justiça, para L a justiça é também a consequência
desejada de seus atos, para tal usa não do poder de matar, uma vez que esse se
limita a quem possui o caderno, mas se faz do poder de agir no secreto, nesse
caso, ambos utilizam o mesmo método para chegar a seu objetivo. Por aqui vemos
que a batalha é do oculto contra o oculto, que na verdade, sejamos honestos, só
está se divertindo tanto quanto o Ryuk se diverte fugindo de seu tédio; o
Shinigami deixa isso claro no primeiro capítulo e volta a repetir no último, o
que ele presenciou é algo temporário que o serviu, mas que ele não serviu àquilo,
uma vez que é evidente que ele não interferiu em nada, mantendo-se apenas um
observador.
Quem é o verdadeiro serial killer? Kira teve muitos rostos,
todos eles foram capturados pela inteligência dos departamentos de investigação
estabelecidos primeiro por L depois por Near, mas o caderno voltou para as mãos
de Ryuk com a doce promessa de ser encontrado por outro pretendente à Kira,
sejam quais forem seus sonhos absurdos, de ser um deus para o mundo, ou apenas
um assassino vagabundo; esse título Kira, em sua essência nunca quis dizer
mesmo uma esperança pacífica senão somente quando possuía Light Yagami, vide as
ações inescrupulosas de Kyosuke Higushi, o diretor executivo da Yotsuba, e o
terceiro a possuir o título do serial.
Light, como outros, foi apenas um portador passageiro da
Morte – e como mostrado na série, também os Shinigamis – como alguém que
atropela outro alguém na rua sem ter essa intenção, mas apenas porque queria
estar em alta velocidade. Esse alguém esteve suprindo essa sua necessidade, e
sabe-se lá que sentimentos e sensações, por exemplo, correr com o carro pode
trazer a alguém. Do mesmo modo, todo o objetivo do Light é construído nessas
mesmas etapas, uma necessidade de ação que preenche desejos reativos. Correr
com o carro está para o personagem do exemplo como usar o Death Note está para
o Light; alcançar a alta velocidade, vivendo, quem sabe, algum prazer de
liberdade está para o personagem do exemplo, como a obtenção de justiça ao
assassinar está para o Kira-Light, suprindo então a face verdadeira do prazer
que é a agonia, seja por tédio, por impossibilidades, seja por desesperança, ou,
em geral, por causa da dor, essa lama fétida no fundo do poço dos nossos
desejos é o que pede realmente para ser aniquilada, e não o desejo em si que
parece apenas um reflexo menos horroso do que existe no profundo. Tentar voar
não é tão feio quanto a certeza de que se está preso no chão.
O “mundo podre” à que Light se refere é essa agonia
enraizada em seu ser que aparece invertida como um desejo por justiça, uma
maneira harmoniosa e aceitável de se apresentar no mundo. Ele, no entanto, tem
consciência de que precisa “matar o tédio”, mas dá isso como motivo para os
seus assassinatos não conquistaria muitos dos seguidores que conquistou... Veja
só como o próprio mundo não aceita tampouco reconhece a sua podridão. Quando o
carro atropela alguém, o estandarte belo da justiça maquia toda a violência da
ação justificando-se a si mesma, não à toa os crimes em que não houve intenção
de matar são punidos menos severamente, mas isso é uma questão que precisaria
de um aprofundamento monstruosamente psicológico, monstruosamente sim porque
para lidar com monstros dessa estirpe, precisa também ser um.
Enfim, bandidos, ladrões, outros facínoras, estupradores e
todo esse tipo de gente é o que ao Light mais pareceu próximo de uma
visualização real do mal que ele sente no mundo, mas que inconscientemente sabe
que também parte dele, por isso esses foram os seus alvos, mas e se ele tivesse
continuado e descoberto que não são somente os ladrões que fazem do mundo ruim?
Certamente não sobraria nem o próprio justiceiro. Near honrou o objetivo de L
ao alcançar a Justiça que o outro sonhou, mas até o próprio Near possuía um
objetivo diferente de seu mentor, muitas vezes ele deixa claro que
particularmente se trata de um jogo, e como escrevi no começo, de fato é um
jogo para acabar com o tédio das existências, talvez até a Morte se canse de
existir e venha brincar um pouco com os humanos e os deuses, e mesmo jogá-los
uns contra os outros, mas isso é mais poesia que teoria, no entanto, uma
divertida poesia.
Ao desmascarar Light no último episódio, Near e a Justiça
que ele carregava em nome de L prevalece naquela situação e parecerá que um dos
lados venceu, mas como foi dito no princípio, essas forças se prosseguem e se
complementam simultaneamente e constantemente, nunca houve um real embate, por
isso não é o fim, uma vez que o caderno voltou de onde tinha saído, a Morte não
foi vencida, mas quando ela voltar a sentir tédio novamente, quem sabe encontre
outro Kira com suas próprias agonias pedindo para serem eliminadas!
É curioso notar que Near e L são fisicamente idênticos e
agem da mesma forma, o que poderia sugerir mais uma evidência de que o jogo é
entre as forças que se ocultam e não uma batalha contra os problemas humanos,
afinal quem se importa realmente? Não tem como ser otimista e garantir que o
Kira foi vencido, mas certamente a justiça prevalece de acordo com os olhos de
quem a concebe.
by Ros Lima
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Comentários
Postagens mais visitadas
A VERDADE na Guerra: Quem é o Homem do Castelo Alto? Isto é um jogo!?
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Olha até que é interessante, irei mais afundo.
ResponderExcluirNossa! Essa odisseia da morte como fundemto da justiça é dicotómica, nãoenos importante, realista, pese embora os factos acoplados na trama, pese embora fictícios, algo de humano se pode retirar...
ResponderExcluirParabéns Ros🙏🏾
Florentino Júlio
Obrigada pela visita, Júlio poeta
Excluir